Câmera Subjetiva

PARA QUEM VÊ, OUVE E RESPIRA CINEMA.

sábado, 25 de abril de 2009

Felicidade é...


Poppy é uma mulher de trinta e poucos anos que vive no subúrbio de Londres. Sua vida não tem nada de extraordinário. Ela divide um simples apartamento com uma irmã, que não a compreende, e uma amiga. Professora de um colégio primário, Poppy se dedica a fazer a alegria das crianças e se veste quase sempre com roupas multicoloridas e brincos que lembram duas cerejas. Nas horas vagas, sai pra balada com as amigas ou descarrega o excesso de energia pulando numa cama elástica.

Sua vida amorosa está mais do que parada, mas Poppy não está nem aí pra solidão. Se lhe perguntam se ela se considera uma pessoa feliz, ela responde que sim, sem titubear. E vive sempre de bom humor. Nada parece abalar sua convicta felicidade. Será?

Um belo dia (para Poppy todos os dias são belos) roubam sua bicicleta. Ela sequer fica triste, apenas lamenta não ter tido tempo para se despedir dela. Poppy então decide aprender a dirigir e se matricula numa auto-escola. Eis que ela conhece Scott, seu professor de direção. Scott é a antítese de Poppy: mal-humorado ao extremo, sempre carrancudo, sempre de testa franzida.


Os primeiros encontros entre os dois rendem alguns momentos hilários, justamente pelo evidente conflito de personalidades, mas a cada nova aula de direção, o clima entre ambos vai ficando mais tenso. Poppy teme se deixar contagiar pelo negativismo exarcebado de Scott. Este, por sua vez, sente-se incomodado pelo excesso de otimismo de Poppy.

E assim ambos passam a representar um desafio um para o outro. A grande lição passa a ser apreender a lidar com as diferenças e a respeitar o modo do outro enxergar a vida (ou de conduzi-la, para usar um termo próprio do universo das auto-escolas).

Podem o otimismo e o pessimismo caminharem lado a lado numa mesma direção?


Essa parece ser a pergunta que o genial diretor inglês Mike Leigh (de pérolas como "Segredos e Mentiras", "Naked" e "Vera Drake") nos faz com seu novo filme "Simplesmente Feliz", uma comédia singela sobre a eterna busca da felicidade. Eterna sim, pois como se manter feliz o tempo todo mesmo com todas as agruras do cotidiano? A felicidade não é tão simples assim como o título brasileiro do filme procura vender. Até mesmo Poppy sabe disso. Ou pelo menos, vai tomando conhecimento à medida que vai convivendo com o rancoroso Scott.

Indicado ao Oscar de melhor roteiro original, "Simplesmente Feliz", que é em grande parte uma comédia, apresentando uma sucessão de cenas cotidianas e aparentemente desconexas da vida de Poppy (a ótima Sally Hawkins, vencedora do Urso de Prata no Festival de Berlim e do Globo de Ouro de Melhor atriz de comédia), vai incorporando o drama justamente com o aparecimento de Scott (o surpreendente Eddie Marsan) na história.


O talentoso Mike Leigh - um dos mais competentes diretores da atualidade - costuma ser mais conhecido por seus contundentes dramas, como é o caso de "Segredos e Mentiras", premiado com a Palma de Ouro em Cannes. Mas, mesmo em seus filmes mais descontraídos, como "Topsy-Turvy - O Espetáculo" e "Simplesmente Feliz", sempre trata de imprimir algo de dramático na história como contraponto à comédia, o que acaba por levar-nos a alguma reflexão além do mero entretenimento. É algo parecido com o que Woody Allen faz em suas comédias dramáticas.

Por isso, apesar do que possa parecer à primeira vista, não se trata de mais uma comédia adocicado do tipo que a crítica especializada americana gosta de classificar forçosamente como "the feel good movie of the year". Muito pelo contrário, mesmo com cenas hilárias (como a que Poppy é convidada a participar de uma aula de flamenco), o gosto que fica no paladar dos espectadores ao final da projeção não é o das cerejas. Tão pouco é um gosto propriamente amargo. Como na maioria dos filmes de Mike Leigh, o sabor está mais para o agridoce.

Isto porque, mesmo a despeito de todos os esforços de Poppy em não deixar-se contaminar pelas agruras da dia a dia (numa atitude que nos remete à chamada síndrome de Polyana e chega a irritar alguns espectadores menos avisados) nem tudo são flores na vida de Poppy - e não é pra ser mesmo. Cada acontecimento na sua vida parece querer por em cheque sua valiosa felicidade. Desde uma briga entre meninos no colégio em que ela trabalha, passando por um inusitado encontro com um mendigo atordoado, até o confronto final com seu malfadado instrutor.

Com isso, vamos sendo obrigados a questionar juntamente com Poppy, se a felicidade realmente existe ou se esta seria apenas uma questão de sorte e circunstância (o título original do filme é "Happy-Go-Lucky", algo do tipo "feliz torna-se sortudo"). Ou ainda, se assim como tudo na vida, não seria a felicidade também uma questão de escolha.

Afinal de contas, cada qual costuma guiar conforme sua própria personalidade e, apesar dos fatores externos (ou de quem quer que esteja no carona), em cada veículo só existe lugar para um na direção. Cabe a cada um de nós decidir que tipo de motorista prefere ser:


Confira o trailer do filme:

segunda-feira, 30 de março de 2009

Merci, Maurice!


Faleceu hoje, em Los Angeles, aos 84 anos, o lendário compositor francês Maurice Jarre.

Jarre, que acabara de receber em fevereiro deste ano, no último Festival de Berlim, um prêmio honorário por toda sua carreira, foi vítima do câncer.

Dentre suas mais de 150 contribuições para o cinema, destacam-se, principalmente, suas notáveis parcerias com o diretor inglês David Lean - em especial as trilhas dos épicos "Lawrence da Arábia" (1962), "Dr. Zhivago" (1965) e "Passagem para a Índia" (1984), filmes pelos quais Jarre recebeu seus três Oscars.

Outras colaborações de Jarre para o mundo cinematográfico incluem as trilhas do clássico de terror  francês "Les Yeux sans Visage" (1960), de Georges Franju; "Topázio" (1969), de Alfred Hitchcock; "Testemunha" (1985) e "Sociedade dos Poetas Mortos" (1989), ambos de Peter Weir; "Ghost" (1990), de Jerry Zucher; e "Sunshine" (1999), de István Szabó.

Confira abaixo os temas de "Dr. Zhivago" e "Lawrence da Arábia", seus mais famosos e, sem dúvida, dois dos mais marcantes temas da história do cinema, conduzidos pelo próprio Maurice Jarre:




quinta-feira, 19 de março de 2009

Liberdade, Igualdade e Fraternidade




"Meu nome é Harvey Milk e estou aqui para recrutá-los". Era assim que um homem de meia idade, recém chegado de Nova York à cidade de São Francisco, na Califórnia, iniciava sempre os seus discursos para um grupo de homens cada vez mais numeroso. A "guerra" para qual ele convocava não só seus semelhantes, mas todas as minorias, não era um combate físico (apesar de não terem sido raros os casos de violência) e sim uma revolução do ponto de vista ideológico: a luta pelo direito de ser diferente e ao mesmo tempo igual.

Com a estréia de "Milk - A Voz da Igualdade", novo filme de Gus Van Sant (de "Elefante" e "Gênio Indomável"), o apelo de Harvey ganha agora projeção mundial, após ter recebido 8 indicações ao Oscar - incluindo melhor filme e melhor direção - e ter conquistado pelo menos dois prêmios importantes da Academia (Melhor Roteiro Original e Melhor Ator para Sean Penn).

É a oportunidade de um recrutamento sem precedentes, capaz de gerar eco até mesmo entre o público mais conservador (como aconteceu com os membros da Academia), desde que os espectadores ingressem nas salas de cinema deixando do lado de fora o preconceito, e mantenham não só os olhos, mas as mentes bem abertas.

Para os que ainda não estão a par da história, "Milk" é a cinebiografia do primeiro homossexual assumido a ocupar um cargo eletivo nos Estados Unidos. O filme começa com uma série de imagens que retratam a perseguição desmesurada da polícia e das autoridades políticas aos homossexuais, um retrato lamentável da intolerância da América dos anos 60 e 70, que precederam a ascensão de Harvey ao poder.

É o próprio Harvey Milk (em interpretação magistral de Sean Penn) que narra a sua história, numa espécie de testamento gravado que prenunciava o seu assassinato, vítima da ignorância, da inveja e do preconceito.

A história começa na véspera do seu aniversário de 40 anos. Naquela época, Harvey trabalhava para uma empresa de consultoria em Nova York e mantinha sua orientação sexual sob sigilo absoluto. Ele estava chegando à metade de sua vida e ainda não havia feito nada do que pudesse se orgulhar, nos conta em seu relato.



Após conhecer por acaso o jovem Scott Smith (James Franco, amadurecendo como ator), os dois se unem e decidem se mudar para São Francisco, onde abrem uma pequena loja de artigos fotográficos na então pouco conhecida Rua Castro (hoje o mais célebre reduto gay do mundo).

É em frente à pequena loja, que exibe a placa de "Estamos Abertos" na vitrine - e sob o olhar curioso, e não menos reprovador, de todos que passam pela rua - que os dois trocam um beijo cinematográfico. Este é o marco de uma nova vida para ambos, e para toda a Rua Castro, uma vida em liberdade em oposição à vida de temor e reclusão que levavam até então.

Não demora muito e Harvey começa a se envolver nas políticas da comunidade. Pouco a pouco, ele se torna o militante das minorias locais, a voz em defesa da classe operária, dos idosos e, como não poderia deixar de ser, dos homossexuais. É a grande oportunidade da sua vida, e Harvey decide agarrá-la com grande entusiasmo.

Ele decide se candidatar à Câmara de Supervisores da cidade de São Francisco (algo equivalente à Câmara de Vereadores, em nosso país). De palanque em palanque, de debate em debate, ele vai afinando o discurso, somando aliados e inimigos por onde quer que passe, até alcançar o tão almejado cargo e se tornar o primeiro grande líder do movimento pelos direitos dos homossexuais. Mas é claro que tudo isso tem um preço.

O engajamento de Harvey na política termina afastando pouco a pouco Scott da sua vida. O Harvey público se torna mais importante que o Harvey da vida privada. Logo surgem as ameaças de adversários políticos, que irá culminar com sua morte no auge da notoriedade.


Esta não é a primeira vez que Mr. Milk dá o ar de sua graça nas telas de cinema. Sua história já havia sido tema do documentário "The Times of Harvey Milk" (1984), de Rob Epstein, vencedor do Oscar de Melhor Documentário.

"Milk" é, no entanto, o primeiro filme de ficção a retratar o assunto. Mas não por acaso, tem uma influência muito grande do gênero documentário, alternando imagens de arquivo com as cenas de ficção - estas filmadas muitas vezes com câmera na mão e lentes especiais, para reproduzir a "atmosfera" da época; e em locações verídicas, para se aproximar ainda mais da realidade.

O cultuado diretor Gus Van Sant, diferente do que vinha apresentando em suas últimas obras, parece estar muito mais preocupado com o discurso do filme do que propriamente com seu aspecto estético. Mas isso não significa que não existam enquadramentos e soluções estéticas interessantes em Milk, ele apenas deixa de lado os longos planos sequência e a não-linearidade narrativa que fizeram do experimental Van Sant o grande vencedor do Festival de Cannes em 2003.

O filme, baseado em roteiro original de Dustin Lance Black (de longe o discurso de agradecimento mais comovente do Oscar deste ano, defendendo sua sexualidade em público), mantém um ritmo ágil e descontraído; é comovente, sem ser melodramático - e o mais importante: é ativista sem ser panfletário.

Os personagens do filme não são todos iguais. Pelo contrário, representam uma vasta gama de personalidades. Há homosexuais bons e também vilões. Há aqueles que acreditam na causa, e aqueles que lutam contra ela. Há os que alimentam esperança e os que pensam em suicídio. Há os assumidos e os enrustidos. Nem todos são vítimas, e nem afetados.


Já as falas do filme rendem algumas pérolas e justificam o prêmio de melhor roteiro original. Em um diálogo entre Havery Milk e seu colega parlamentar Dan White (interpretação competente de Josh Brolin, indicado ao Oscar de coadjuvante), os dois discutem sobre família e sociedade:

Dan: A sociedade não pode existir sem a família.
Harvey: Nós não estamos contra isso.
Dan: Dois homens podem reproduzir?
Harvey: Não, mas Deus sabe que nós continuamos tentando!

É com esse bom humor e carisma que Harvey Milk vai conquistando a empatia dos demais personagens e também dos espectadores. Mas nada disso seria possível sem o notável desempenho de Sean Penn. Suas atuações costumam dividir opiniões, mas é inegável a entrega dele ao personagem. Sean Penn não apenas interpreta Harvey Milk, ele se transformou no próprio Milk e nos brindou com uma atuação repleta de sutilezas. É admirável sua capacidade de dar vida a personagens tão díspares quanto o deficiente mental Sam, de "Uma Lição de Amor" (2001), o matemático cardíaco Paul, de "21 Gramas" (2003), e sobretudo, o inconformado Jimmy, de "Sobre Meninos e Lobos" (2003), que lhe rendeu o seu primeiro Oscar.

Apesar da trajetória de Harvey Milk ter sido marcada por tragédias que vão além da sua própria morte, o resumo da ópera é bastante otimista. O filme de Van Sant não chega ao nível de excelência de "O Segredo de Brokeback Mountain"- a premiada e contundente história do relacionamento amoroso entre dois cowboys, dirigida por Ang Lee, que entrou para a história em 2006 como o primeiro filme com temática claramente homossexual a ser indicado na categoria de Melhor Filme do Oscar.

Contudo, "Milk" talvez seja mais importante para o movimento gay do que "Brokeback Mountain", no sentido em que ele estimula os homossexuais a encararem sua própria sexualidade, a unirem esforços contra o preconceito e promoverem a esperança. Sob essa ótica, "Milk" representaria para a comunidade GLS o que "Tempo de Glória" (filme de 1989 sobre o primeiro exército americano inteiramente formado por soldados negros) é para a comunidade negra: um filme de auto-afirmação e inclusão social.

Por isso, não se pode rotular "Milk" de "filme para gays", pois não é preciso ser gay para compreender e simpatizar com as conquistas retratadas no filme, que são, acima de tudo, conquistas por direitos humanos (assim como não é preciso ser negro para se ter empatia por um personagem negro que luta por diretos iguais em combate ao preconceito).

O filme, aliás, soube driblar muito bem a questão do preconceito. Van Sant, que é homossexual e sempre tratou de incluir uma ou outra referência gay em boa parte de sua obra anterior, resolveu extravasar e não poupou cenas de beijos entre os casais do filme. Resultado: após o primeiro beijo entre os personagens de Sean Penn e James Franco (que em pleno século XXI ainda é capaz de provocar aversão em boa parte da platéia) seguem-se tantos outros que, após muitos beijos de projeção, o público parece nem se incomodar mais, passando a enxergar não apenas dois homens na tela, mas duas pessoas que se gostam, comprovando a teoria de que tudo é uma questão de hábito.

Ao final da projeção, o recado que o filme nos deixa parece ser bastante claro e direcionado: para mudar os outros é preciso primeiro mudar a si mesmo. Aliste-se!



Confira abaixo o trailer do filme:

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Quem Quer Ser um Ganhador do Oscar?



Como uma produção modesta, rodada na Índia com câmera digital e atores desconhecidos, conseguiu arrebatar 8 Oscars, incluindo melhor filme?

A) O sucesso do filme é fruto de marketing agressivo.
B) A premiação do filme no Oscar reflete a mudança dos critérios da Academia.
C) É o melhor filme do ano.
D) É o filme que mais entretém dentre os indicados.

Antes de responder à pergunta, vamos ao contexto: o filme em questão é "Quem Quer Ser Um Milionário?", uma produção britânica do diretor Danny Boyle (do cultuado "Trainspotting") rodada em Mumbai, na Índia, ao custo estimado de 15 milhões de dólares (um valor irrisório se comparado aos 15o milhões - 10 vezes mais - gastos na produção de "O Curioso Caso de Benjamin Button", seu principal concorrente no Oscar deste ano).


O filme recebeu no último domingo nada menos que oito Oscars, incluindo melhor filme e melhor direção, uma quantidade impressionante de prêmios para uma produção independente, inteiramente rodada em câmera digital e com atores desconhecidos do grande público.

Para se ter uma idéia da enorme façanha da produção de Boyle, basta traçarmos um pequeno comparativo com outros ganhadores da Academia, consideradas grandes produções: "A Lista de Schindler", de Steven Spielberg, conquistou 7 Oscars, a mesma quantidade de "Lawrence da Arábia", de David Lean; tanto "Coração Valente" quanto "Gladiador" arrebataram 5 Oscars cada; e "O Poderoso Chefão" - considerado por muitos o melhor filme de todos os tempos - recebeu apenas 3.

"Quem quer ser Um Milionário?" ainda venceu o Globo de Ouro e o Bafta (O equivalente inglês do Oscar) em diversas categorias, incluindo melhor filme.

Mas como explicar tal fenômeno? De onde será que vem tamanho favoritismo? Será que o filme de Boyle é mesmo tão bom assim?

Vejamos as opções de resposta:

A) O sucesso do filme é fruto de marketing agressivo

Não é bem verdade. O filme de Boyle não foi nem mais, nem menos promovido que os demais filmes em competição. Pelo contrário, seu favoritismo fez com que ele fosse alvo de diversas críticas e a produção do filme chegou a ser acusada de explorar a miséria alheia e pagar mal às crianças indianas que participaram do filme. Tudo isso foi desmentido e cuidadosamente contornado pelos produtores do filme, que fizeram questão de convidar as tais crianças para participarem da cerimônia do Oscar (no final das contas, todos subiram ao palco do Kodak Theater na noite da premiação para celebrar o prêmio).

O filme sequer chegou a ser um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos. Até a data de divulgação dos indicados ao Oscar "Quem quer Ser Um Milionário?" havia arrecadado pouco mais de 43 milhões de dólares contra mais de 103 milhões arrecados até então por "O Curioso Caso de Benjamin Button", enquanto os blockbusters "Homem de Ferro" e "Batman: O Cavaleiro das Trevas" ultrapassaram a cifra dos 100 milhões de dólares apenas no final de semana de estréia.

B) A premiação do filme no Oscar reflete a mudança dos critérios da Academia

Talvez. Afinal, a cada ano que passa o Oscar vem abrindo cada vez mais espaço para produções independentes e estrangeiras (vide postagem "O Oscar em Tempos de Globalização"), mas isso nunca foi sinônimo de consagração, já que a Academia nunca abriu mão de premiar uma produção genuinamente americana - em geral grandes produções - como forma de reafirmar sua posição como a mais poderosa indústria do cinema mundial (ainda que Bollywood, a indústria indiana de cinema, produza mais filmes por ano).

A exemplo disso, podemos citar o caso de "O Tigre o Dragão". A produção made in china dirigida por Ang Lee, que concorria a 10 Oscars e acabou perdendo o prêmio principal para "Gladiador", mesmo sendo notadamente superior à produção americana.

Outro caso mais recente é o do contundente "Babel", produção dirigida pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, rodada em quatro países diferentes (e, portanto, falado em quatro idiomas) que teve que se contentar com um único Oscar, de melhor trilha sonora, em 2006. O prêmio de melhor filme foi para "Os Infiltrados", de Martin Scorsese.

C) É o melhor filme do ano

Essa é uma afirmação questionável. A história da ascensão social de um menino pobre de uma favela de Mumbai em um programa de televisão comove, mas não chega a ser contundente como "O Leitor", de Stephen Daldry (ou mesmo "Foi Apenas um Sonho", de Sam Mendes, que sequer foi indicado às principais categorias)

O romance entre Jamal, o jovem protagonista do filme, e sua amiga de infância, Latika, é singelo e encanta o público, mas está longe de ser uma grande história de amor. A crítica social, por sua vez, aparece ao longo de todo o filme, apesar de ocupar um segundo plano.

Já no quesito direção - sem desmerecer o ótimo trabalho de Boyle - o filme não chega a ter o preciosismo nem a riqueza de detalhes orquestradas por David Fincher em "O Curioso Caso de Benjamin Button", ou a soberba direção de atores de Stephen Daldry em "O Leitor".

D) É o filme que mais entretém dentre os indicados

Essa talvez seja a resposta mais apropriada. A estética de videoclipe impressa por Boyle no filme empolga, e muito, o espectador, graças a sua edição ágil e fotografia vertiginosa (nestes dois aspectos "Quem quer Ser..." deve muito ao nosso "Cidade de Deus"). Sem contar a própria construção da história, que propõe um jogo ao espectador. Ao ver o filme, nós nos colocamos no lugar de Jamal e participamos com ele do programa de auditório. Impossível não estabelecer empatia e não torcer por ele.

Quer mais? O filme conta ainda com uma trilha sonora eletrizante (talvez a primeira da história que flerta com a música eletrônica a ganhar um Oscar) e, para encerrar, uma apresentação musical para lá de animadora, no melhor estilo Bollywood ("Jai Ho", canção premiada pela Academia)

Diante de tudo isso, fica fácil compreender por que a Academia se rendeu a "Quem Quer Ser Um Milionário?". Afinal, não esqueçamos que entretenimento sempre foi o principal combustível do cinema americano (depois do dinheiro, é claro).

Em um ano de mudança na política mundial, com o começo da era Obama, nada melhor do que um filme com uma mensagem de otimismo para encher as pessoas de esperança (o outro filme, dentre os indicados, capaz de ocupar esse posto talvez fosse "Milk - A Voz da Igualdade", com sua mensagem de inclusão social em defesa dos direitos das minorias)

Os demais concorrentes se voltam mais para o passado. "Frost/Nixon" procura compreender a mente do ex presidente Nixon, "O Curioso Caso..." aproveita para prestar homenagem aos mortos do furacão Katrina (ocorrido na era Bush), e "O Leitor" relembra os fantasmas deixados pelo Holocausto, e está longe de ser uma diversão.

Então, por eliminação, a resposta (ou pergunta) da Academia para este ano só poderia ser mesmo: "Quem Quer Ser Um Milionário?"

Se lembrarmos que o filme custou cerca de 15 milhões de dólares para ser feito e já arrecadou mais de 100 milhões com o reforço das premiações, fica fácil perceber porque Dany Boyle não tem economizado sorrisos por onde quer que passe.


Confira o trailer do filme:


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A Persistência da Memória



É impressionante a capacidade que um acontecimento (ou uma pessoa) tem de marcar toda uma trajetória de vida. Todos nós vivemos algo ou conhecemos alguém que acaba deixando marcas indeléveis em nossas vidas e cuja memória se encontra armazenada em algum lugar de nossas mentes esperando para ser relembrada de tempos em tempos como um livro aguarda na estante o momento de ser relido.

Essas releituras podem ser extremamente prazerosas ou consistirem em verdadeiros tormentos. Elas podem levar alguns anos, algumas décadas, ou podem nos acompanhar até os últimos dias de nossas vidas.

Em “O Leitor”, o diretor Stephen Daldry (da obra-prima “As Horas”) explora a memória e seus fantasmas ao narrar a história de um romance entre uma misteriosa mulher e um jovem adolescente na Alemanha pós Hitler.

Michael Berg (David Kross) é um jovem estudante alemão - e ávido leitor - que, ao voltar para casa um dia, passa mal de repente e é socorrido por uma mulher desconhecida que tem o dobro da sua idade. A mulher em questão é Hanna Schmitz, solitária, taciturna, misteriosa. (Kate Winslet no extraordinário papel que deve lhe render finalmente o seu primeiro Oscar)

Agradecido, Michael decide voltar à casa de Hanna pouco tempo depois para manifestar sua gratidão. Não demora muito e ambos enveredam por um relacionamento repleto de ambigüidades. O que começa inocentemente, com Hanna cuidando do garoto com um zelo quase maternal, acaba ganhando contornos de erotismo até que Hanna resolve dar um passo adiante e inicia o garoto sexualmente.

A partir de então, os encontros se tornam cada vez mais freqüentes, e a cada nova visita, e nova experiência sexual, o jovem Michael a retribui com a leitura de algum clássico literário. Juntos, os dois compartilham momentos de felicidades. Mas como tudo que é bom dura pouco, Hanna desaparece de repente sem deixar vestígios.

Oito anos depois, Michael é estudante de direito e presencia, como parte de suas atividades acadêmicas, o julgamento de algumas mulheres acusadas de terem cometido crimes de guerra no famigerado campo de concentração de Auschwitz. Dentre as acusadas, está Hanna Schimitz, o primeiro e único amor de sua vida. Agora, Michael é o único capaz de inocentá-la de algumas acusações. Mas as dúvidas quanto às reais motivações de Hanna, e as questões morais que envolvem o caso, pairam sobre ele.

"O Leitor" é todo contado sobre o ponto de vista de Michael. É ele o verdadeiro protagonista da história, que inclui também cenas de Michael na maturidade (interpretado pelo sempre competente ator inglês Ralph Fiennes).

O filme é dirigido com maestria pelo igualmente britânico Stephen Daldry que, depois de conceber o ótimo “Billy Elliot”, e o brilhante “As Horas”, reforça a condição de um dos melhores diretores da atualidade com seu novo e primoroso filme (não por acaso, recebeu indicações de Melhor Direção para o Oscar por todos os três filmes que dirigiu até então)

Daldry, que vem do teatro, demonstra mais uma vez, uma enorme habilidade para contar histórias. O drama de “O Leitor” flui tão bem quanto as águas de um rio. Cada cena se vale muito mais daquilo que não é dito, do que está subentendido, do que daquilo que nos é apresentado. Neste caso, o filme desafia a todos nós, leitores da obra, a ler nas entrelinhas. (mérito também do roteirista David Hare, responsável por adaptar a obra de Bernhard Schlink, e que já havia trabalhado com Daldry na adaptação de “As Horas”)

Outro grande mérito do filme é a ausência de julgamentos morais sobre a personagem de Hanna. Mesmo nas cenas de tribunal, a história mantém uma postura neutra e imparcial no que tange seu caráter, cabendo ao espectador tomar partido ou não e chegar ao seu próprio veredicto.

Mas o grande trunfo de Daldry é, sem sombra de dúvida, a direção de atores. Neste terreno - bastante arenoso para muitos diretores - Daldry tem um desempenho extraordinário. Ele demonstra enorme destreza tanto na direção de atores mais experientes (haja vista as brilhantes atuações de Nicole Kidman, Julianne Moore e Meryl Streep em “As Horas”) quanto na direção de jovens talentos (vide a inesquecível atuação de Jamie Bell, o eterno “Billy Elliot”, então um jovem estreante).

No caso de “O Leitor”, mais uma vez todo o elenco tem um excelente desempenho. Kate Winslet está soberba na pele de Hanna Schmitz, a mulher que irá ocupar por toda a vida a memória de Michael. Mas sua personagem, apesar de ser a mais marcante do filme, é de fato secundária, e não protagonista, algo que já foi motivo de muita controvérsia (vide artigo intitulado “Duas Vezes Winslet”).

Kate Winslet certamente conquistará seu tão cobiçado (e merecido) Oscar. Mas é bem verdade que ela foi sabotada ao ser indicada a melhor atriz por “O Leitor” e esquecida por “Foi Apenas um Sonho”, quando ela poderia perfeitamente ter sido indicada pelas duas atuações em categorias diferentes, a exemplo do que ocorreu no Globo de Ouro.Não obstante, sua premiação por "O Leitor" será uma maneira de consagrar seu êxito em ambos os filmes e coroar uma carreira pontuada por ótimas atuações.

O prêmio de melhor atriz para Kate Winslet talvez seja o único prêmio para "O Leitor" na noite do Oscar do próximo dia 22. Mas independente de qualquer premiação, o fato é que "O Leitor" é um filme maduro e pungente, que aborda com grande virtuosismo os fantasmas da memória (no caso do filme, as lembranças que Hanna carrega dos tempos do Holocausto, e as lembranças que Michael carrega de Hanna). Isso sem oferecer ao espectador qualquer catarse ou redenção.

Como diz a filha de uma sobrevivente do Holocausto para um Michael maduro e desamparado, em uma das cenas mais contundentes do filme: "Se você está procurando por catarse, vá ao teatro, leia um livro, mas não o procure em Auschwitz". Essa frase poderia muito bem se aplicar ao filme de Daldry, que justamente por sua ausência de catarse, está destinado a ocupar espaço permanente também em nossas memórias, como aquele bom e velho livro que nunca cansamos de reler na esperança de exorcizar nossos próprios fantasmas.

Confira o trailer do filme:


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O Sonho Acabou


Dez anos atrás, o então estreante diretor Sam Mendes conquistou platéias do mundo inteiro (e uma enxurrada de prêmios) com a contundente história da família Burnham em "Beleza Americana". O filme, com seu humor corrosivo próprio de um narrador defunto (que o diga o velho Brás Cubas), divertia e emocionava a medida em que ia arremessando pedras no já falido "american way of life".

Agora, Mendes lança um novo petardo contra o sonho americano, desta vez contando a história dos Whellers, um casal dividido entre a vida que poderiam ter e a vida que apenas levam em "Foi Apenas um Sonho".

Baseado em um célebre romance de Richard Yates, o filme narra a história de Frank e April Wheller, um casal de classe média da década de 50, que vive em uma grande casa do subúrbio norte-americano e tem dois filhos pequenos. Para a vizinhança, eles são os admiráveis Whellers, o jovem casal que vive o sonho americano em perfeita harmonia. Ela seria a perfeita dona de casa, ele o marido exemplar. Isto para os olhos da vizinhança...


Entre quatro paredes, no entanto, a história é bem diferente. Quando os dois se conheceram, ela sonhava em ser atriz; chegou a tentar, mas sem nenhum êxito. Ele nunca descobriu sua verdadeira vocação, e se dedica a um trabalho de escritório, que ele desempenha mecanicamente, sem muita satisfação, pois não se sente realizado. Agora os dois vivem frustrados e infelizes, e trocam acusações a todo o momento.

A mediocridade da vida cotidiana em que ambos encontram-se imersos, só faz reforçar a tese de que o sonho capitalista norte-americano não apenas faliu, mas definitivamente acabou. Por mais que ambos sejam proprietários de uma senhora casa, donos de um magnífico carro, e tenham dois belos filhos; como diria o título brasileiro de um célebre clássico de Frank Capra: "A Felicidade Não se Compra".

O que fazer então na tentativa de serem felizes? Ela, que é a mais insatisfeita dos dois, propõe uma revolução em suas vidas (o título original do filme é "Revolutionary Road", "Estrada da Revolução" em tradução literal, e refere-se ao nome da rua em que vivem). A proposta de April é a seguinte: se mudarem para Paris e recomeçarem uma nova vida, em que ela trabalharia temporariamente como secretária e seria o sustento da família, enquanto ele teria tempo para descobrir sua verdadeira vocação e passaria a dedicar-se àquilo que realmente gosta.


Frank, que em primeira instância mostra-se duvidoso, acaba deixando-se persuadir pelo entusiasmo de April e os dois começam a fazer planos, mesmo a despeito dos olhares críticos dos vizinhos e colegas de trabalho de Frank, que vêem o plano do casal como uma atitude infantil e meramente escapista.

Mas entre a beleza do sonho idealizado e o amargo sabor da realidade existe uma linha tênue, e o casal vai vendo aos poucos seus planos de mudança desmoronarem, dando margem a uma nova, e ainda mais intensa, rodada de acusações.

O filme conta com vigorosas atuações de Kate Winslet e Leonardo DiCaprio, o par romântico que arrebatou as bilheterias do mundo inteiro em "Titanic", e onze anos depois voltam a contracenar.

O filme de Sam Mendes, no entanto, não tem nada de romântico. Apesar de em alguns breves momentos o casal trocar demonstrações de afeto, o que dá o tom do filme mesmo é o confronto. Quem for assistir ao filme esperando um novo romance entre os dois protagonistas, é melhor esquecer. Desta vez, o casal já foi atingido pelo iceberg desde o começo e o filme está mais para "Cenas de um Casamento", do mestre Ingmar Bergman (inclusive pelo ritmo lento e tom melancólico).

Também são raros os momentos de descontração do filme. Os confrontos entre Frank e April, diferente das discussões entre Lester e Carolyn (Kevin Spacey e Annette Bening) em "Beleza Americana", são duros e não têm qualquer teor de comicidade, chegando a ser perturbadores em alguns momentos.

Mas, mesmo sem atingir o nível de excelência de "Beleza Americana", "Foi Apenas um Sonho" não deixa de ser uma obra pungente, dessas que tendem a melhorar a cada nova apreciação.

Tanto Kate Winslet quanto Leonardo DiCaprio, demonstram grande amadurecimento dramático e vivem momentos memoráveis. Ela leva, todavia, uma ligeira vantagem, não apenas por sua atuação ser de fato arrebatadora, mas por sua personagem ser o pivô dos principais acontecimentos do filme; além da história ser em maior parte contada sob seu ponto de vista. (uma curiosidade que faz toda a diferença: Kate é casada na vida real com o diretor Sam Mendes)

Os diálogos também são afiados, e ajudam a definir seus personagens. Numa das falas mais memoráveis do filme, April discorre sobre a verdade (Frank está transando com uma colega de trabalho, mas April não sabe disso). Ela diz para ele, insistindo para que a conversa seja franca, já que, segundo ela, ambos sempre viveram com base na verdade: "ninguém esquece a verdade Frank, as pessoas apenas aprendem a mentir melhor".

E no fundo, a pretensa felicidade do casal não passa de uma grande mentira. Não por acaso, duas das melhoras cenas do filme acontecem quando os dois recebem para um almoço um casal de amigos mais velhos e seu filho de meia idade, um PhD em matemática que sofre de problemas mentais (Michael Shannon, justamente indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante).

Não obstante sua "loucura", o professor de matemática é o único capaz de enxergar a tristeza do casal sob a aparente felicidade, e a urgente necessidade de mudança dos Whellers. É ele quem diz, em um dos seus surtos de extrema sinceridade, uma das frases mais emblemáticas do filme: "muitas pessoas vivem no vazio, mas é preciso ter força para enxergar a falta de esperança".

Ele não tem papas na língua e, nas duas cenas citadas, destila provocações desconcertantes e inflamáveis para o casal, que vive no vazio, mas está sempre adiando a possibilidade de encarar a falta de esperança em prol de uma vida melhor.

O filme, que parecia ter tudo para ser um dos principais concorrentes ao Oscar deste ano, apesar de ter sido indicado a 4 Globos de ouro, incluindo melhor filme, direção, e ator - e rendido a Kate Winslet o prêmio de melhor atriz - acabou recebendo apenas três indicações da Academia (melhor direção de arte, figurino e ator coadjuvante).

Assim como a esperança dos Whellers em mudar de vida, a expectativa gerada em torno da consagração do novo filme do oscarizado Mendes foi justamente isso, apenas um sonho.


Confira o trailer do filme:


sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Sr. e Sra. Oscar


O casal mais badalado da Hollywood contemporânea, Brad Pitt e Angelina Jolie (de Sr. e Sra. Smith), tem muito que comemorar - e eu não estou me referindo aos 6 filhos do casal. Os dois estão vivendo um momento ímpar em suas carreiras e, apesar de já terem participado da cerimônia do Oscar anteriormente (ele já havia concorrido como melhor ator coadjuvante por "Os 12 Macacos", e ela já ganhou o prêmio de coadjuvante por "Garota, Interrompida") irão disputar pela primeira vez este ano o prêmio nas categorias principais.

A união parece ter dado certo. Desde que começaram a andar juntos, Angelina e Brad têm feito escolhas mais maduras em suas carreiras e encarado personagens cada vez mais desafiadores. Ele, por exemplo, demonstrou bastante competência em filmes como "Babel" e "O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford" (este último lhe rendeu o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza). Ela, por sua vez, foi bastante elogiada por sua atuação no drama "O Preço da Coragem", pelo qual concorreu pela primeira vez ao Globo de Ouro de melhor atriz na categoria principal.

Agora ambos têm, pela primeira vez (e numa mesma noite), a chance de serem agraciados com o maior prêmio do cinema americano. Ela por sua tocante atuação no drama "A Troca", do veterano Clint Eastwood; ele por encarnar o personagem título de "O Curioso Caso de Benjamin Button", drama fantástico, de proporções épicas, do diretor David Fincher.



A Troca (Changeling)


No filme "A Troca", drama de época baseado em fato verídico, Angelina vive a personagem Christine Collins. Abandonada pelo marido, Christine mora em uma casa do subúrbio de Los Angeles com seu filho Walter, de apenas nove anos, que ela cria com muito zelo e dedicação. Supervisora de uma companhia telefônica, um dia Christine volta para casa e se dá conta de que seu filho desapareceu.

Angustiada, ela contacta imediatamente a polícia, na esperança de que eles encontrem alguma pista do paradeiro de seu filho. O Departamento de Polícia de Los Angeles, no entanto, alvo de severas críticas de corrupção, negligência e abuso de poder - sobretudo por parte do reverendo Gustav (John Malkovich, em boa atuação) - a fim de melhorar sua imagem perante a opinião pública, termina devolvendo a Christine uma criança que não é seu filho.

Para a impressa e leitores em geral, a polícia cumpriu seu dever. Mas para Christine, que não admite a possibilidade do término das buscas, inicia-se aí uma verdadeira disputa de poder, na qual ela terá que enfrentar a ameaçadora polícia local no intuito de reaver seu filho desaparecido.


Angelina Jolie em "A Troca"

A história se desenvolve com grande habilidade. O roteiro é muito bem costurado, mantendo a expectativa pelo que está por vir a todo o momento, e nos surpreendendo por diversas vezes. O filme, que participou da mostra competitiva no Festival de Cannes no ano passado, é extremamente bem acabado, e conta com a classe e a sofisticação próprias de um filme do mestre do cinema clássico, Clint Eastwood (que também compôs a trilha do filme). Direção de arte, figurino e fotografia formam uma tríade impecável, retratando com grande precisão e riqueza de detalhes a bucólica Los Angeles das décadas de 20 e 30.

Já Angelina Jolie tem no filme um dos melhores desempenhos de sua carreira. Sua Christine, quase sempre sob a proteção de um chapéu, é frágil, sensível e elegante. Com seus gestos contidos, destoa muito das personagens de ação a que estamos habituados a ver Angelina atuando. Chega a ser quase impossível não ter empatia por sua personagem e, muito menos, não ficar indignado por todo o martírio a que ela é submetida.

Vale destacar ainda a atuação do desconhecido ator Jason Butler Harner, que impressiona na pele de um esquizofrênico assassino (injustamente ignorado pela crítica e premiações). Sua participação no filme, apesar de ser um tanto breve, acrescenta grande intensidade dramática à trama. Sua interpretação chega a lembrar a do célebre ator Robert Mitchum (que encarnou temíveis personagens em clássicos como "Círculo do Medo" e "O Mensageiro do Diabo)

Além do prêmio de Melhor Atriz para Angelina Jolie, o filme concorre também aos Oscars de Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte.

Confira o trailer do filme:





O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button)

A parceria entre o diretor David Fincher e o ator Brad Pitt já rendeu os ótimos "Seven - Os Sete Crimes Capitais" e "Clube da Luta". A nova empreitada de ambos, "O Curioso Caso de Benjamin Button" é um filme fantástico, de proporções épicas, meticulosamente conduzido por Fincher em todos os seus ricos e preciosos detalhes.

O diretor, aclamado pelo grande público, mas constantemente ignorado pelos júris das premiações, recebe finalmente o seu merecido reconhecimento. Indicado para o Oscar na categoria de melhor direção, seu filme é o recordista de indicações na edição deste ano, somando nada menos do que 13 indicações (apenas uma a menos que os recordistas "Ben Hur" e "Titanic")

Toda essa notável aclamação não é para menos. Seu novo trabalho é impecável, uma pérola de filme em que cada elemento prima pela excelência. A história, baseada na obra homônima de F. Scott Fitzgerald, não é apenas curiosa, como sugere o título, mas extremamente bem contada, e perpassa quase um século de existência humana, avançando e retornando no tempo com enorme destreza (neste sentido, lembra "Forrest Gump - O Contador de Histórias).

A reconstituição de época, com a fotografia, direção de arte e figurinos, também não é nada menos que excepcional. A trilha sonora, composta pelo francês Alexandre Desplat, assim como a maioria das trilhas compostas por ele, é ao mesmo tempo elegante, instigante e mágica. E a maquiagem (talvez o elemento mais notável do filme e o único prêmio que parece garantido) é simplesmente sensacional. É por meio da maquiagem (e uma boa dose de efeitos visuaus) que eles conseguem não apenas fazer com que Brad Pitt tenha a aparência de um idoso de 80 anos, como, surpreendentemente, rejuvenecê-lo, a ponto de fazê-lo parecer um adolescente outra vez.

Brad Pitt em "O Curioso Caso de Benjamin Button"

Mas afinal, o que há de tão curioso no filme que o faz tão especial? Falemos da história: Brad Pitt interpreta Benjamin Button, uma pessoa portadora de um enigmático distúrbio biológico que o faz nascer com a aparência de um velho de 80 anos. À medida em que o velho bebê vai crescendo, ele vai rejuvenescendo, contrariando todas as previsões de que o pequeno Button morreria precocemente.

Sua fascinante história começa no final da primeira guerra (quando Button nasce) e segue até quase os dias de hoje - a história é narrada por uma paciente moribunda, deitada no leito de um hospital, no ano de 2005, quando o terrível furacão Katrina devastou a cidade de New Orleans (o filme presta, aliás, uma bela homenagem aos mortos do incidente).

Ao longo de sua existência, bem como todos nós, Benjamin Button conhece uma grande diversidade de pessoas. Mas enquanto os outros envelhecem e morrem, Benjamin sente-se cada vez mais revigorado e tem que aprender a lidar com a infortúnio de ver os entes queridos morrerem enquanto ele sobrevive, fruto da sua condição (neste sentido, a história nos remete a um outro filme: "À Espera de Um Milagre").

De todas as pessoas que Benjamin conhece ao longo de sua vida, as duas mais marcantes, à exceção de sua mãe adotiva, são sem dúvida, seus dois amores. A primeira delas, uma mulher casada e solitária (bela atuação de Tilda Swinton) que Button conhece enquanto vive um tempo na Rússia. A segunda, seu grande amor Daisy (a sempre ótima Cate Blanchett, que já havia contracenado com Pitt em "Babel"), que Benjamin conhece quando criança, apaixona-se à primeira vista, e que o acompanhará por toda sua vida.

Brad Pitt demonstra bastante maturidade dramática e repete em "O Curioso Caso..." uma linha de atuação mais contida que vem dando certo em seus últimos filmes, como "Babel" e "O Assassinato de Jesse James...". É bem verdade que a maquiagem ajuda, e muito, a composição do personagem. Mas justiça seja feita, há um empenho grande por parte de Brad, tanto em termos de trabalho de voz quanto corporal, para conferir verossimilhança ao personagem em cada estágio de sua vida.

"O Curioso Caso de Benjamin Button" é um filme bastante poético, que dá margem a várias reflexões filosóficas a respeito da vida. Temas como o envelhecimento, a morte e o amor são recorrentes no filme. Mas é o tempo o principal objeto de análise do filme (é emblemática, por exemplo, a presença de um relógio cujo ponteiro gira em sentido anti-horário). Por falar em tempo, se existe uma ressalva que merece ser feita em relação a obra de David Fincher, talvez seja quanto a sua duração. O filme, que tem proporções épicas, é um tanto longo demais, assim como os já citados "Forrest Gump" e "A Espera de Um Milagre". Mas nada que diminua o seu enorme brilhantismo. Afinal, ao assiti-lo, tudo que queremos saber é onde essa fantástica história vai parar, não importa o quanto tenhamos que esperar pelos ponteiros do relógio.

Confira o trailer do filme: