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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Poesia da Desilusão


Um dos melhores filmes do ano passado talvez seja também um dos menos vistos. Depois de uma modesta passagem pelos cinemas americanos, “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” (Estados Unidos, 2007) chegou às telas brasileiras tão sorrateiro quanto um gatuno do velho oeste, ocupando parcas salas de exibição, em geral tão ermas quanto as cidades fantasmas dos clássicos filmes de faroeste.

O longa do diretor neozelandês Andrew Dominik faz parte de uma nova safra de filmes que resgatam às telas o lendário Oeste americano (de ontem e de hoje) a exemplo de “Onde os Fracos Não Têm Vez”, dos irmãos Coen, e a refilmagem “Os Indomáveis”, de James Mangold.

Mas rotular “O Assassinato de Jesse James” como um filme de faroeste, pura e simplesmente, seria subestimar a sua magnitude, pois o filme é muito mais um drama psicológico, um ensaio poético sobre a desilusão, do que a história de um herói e um vilão à espera do duelo final.

Até porque não existem heróis e vilões na obra adaptada do livro homônimo do escritor Ron Hansen, e o que o filme nos oferece em termos de ação é quase nada se comparado aos tradicionais filmes de faroeste.

Em vez disso, o que vemos são quase três horas de pura poesia traduzidas com maestria numa profusão de imagens repletas de lirismo pelo renomado diretor de fotografia Roger Deakins (mais conhecido pela parceria com os irmãos Coen).

Entre vastos e bucólicos panoramas, e closes intimistas, Deakings parece capturar a essência dos personagens com sua câmera, lançando mão de uma fotografia muitas vezes difusa, seja em meio à névoa, na penumbra da noite ou através da refração de uma simples janela.

No filme, Brad Pitt é Jesse James, lendário bandido do século XIX, temido por muitos e admirado por outros. Procurado pela polícia, Jesse é visto por alguns como um herói a la Robin Hood.


Um de seus mais ardorosos fãs é o jovem Robert Ford (Casey Affleck). Colecionador de histórias sobre as aventuras do bandido Jesse James e seus comparsas, ele decide procurar pessoalmente o fora-da-lei e se juntar ao bando.

O que começa como uma relação de amizade vai ganhando contornos de rivalidade à medida em que o jovem Ford se apercebe do lado humano (e conseqüentemente vulnerável) de seu ídolo; e o desencanto emerge em meio à ambição de se tornar tão conhecido quanto o notório bandido.

Brad Pitt tem no papel-título um dos desempenhos mais competentes de sua carreira (não por acaso foi consagrado Melhor Ator no último Festival de Veneza). Mas é Casey Affleck, como o “covarde” Robert Ford, quem toma de assalto cada cena do filme, numa das atuações mais sublimes e comoventes dos últimos anos.


Repleto de sutilezas, o irmão mais novo de Ben Affleck nos brinda em cada aparição com uma atuação vigorosa que oscila entre a admiração e a inveja, a esperança e o desencanto, o amor e o ódio por Jesse James.

O duelo entre os personagens se dá internamente, pontuada por silêncios, e é através dos olhares do personagem de Affleck, e sua voz embargada, quase emudecida, que a história ganha corpo e alma. (a atuação lhe rendeu indicações aos mais diversos prêmios internacionais, incluindo o Oscar para melhor ator coadjuvante).

Finalmente, vale destacar a bela trilha sonora composta pelo renomado cantor australiano Nick Cave e seu colaborador Warren Ellis. Minimalista, a trilha preenche com precisão as quase três horas de projeção, dando a medida exata de melancolia e encantamento ao filme.

O resultado geral é uma das obras mais belas e pungentes deste novo século do cinema, que mergulha de forma passional nos desvãos da alma humana; e que funciona ainda como parábola para a controversa indústria da fama, em que criminosos são alçados a celebridades e verdadeiros heróis são relegados ao esquecimento, ou mesmo tidos como covardes.


Confira o trailer do filme: