Dez anos atrás, o então estreante diretor Sam Mendes conquistou platéias do mundo inteiro (e uma enxurrada de prêmios) com a contundente história da família Burnham em "Beleza Americana". O filme, com seu humor corrosivo próprio de um narrador defunto (que o diga o velho Brás Cubas), divertia e emocionava a medida em que ia arremessando pedras no já falido "american way of life".
Agora, Mendes lança um novo petardo contra o sonho americano, desta vez contando a história dos Whellers, um casal dividido entre a vida que poderiam ter e a vida que apenas levam em "Foi Apenas um Sonho".
Baseado em um célebre romance de Richard Yates, o filme narra a história de Frank e April Wheller, um casal de classe média da década de 50, que vive em uma grande casa do subúrbio norte-americano e tem dois filhos pequenos. Para a vizinhança, eles são os admiráveis Whellers, o jovem casal que vive o sonho americano em perfeita harmonia. Ela seria a perfeita dona de casa, ele o marido exemplar. Isto para os olhos da vizinhança...
Entre quatro paredes, no entanto, a história é bem diferente. Quando os dois se conheceram, ela sonhava em ser atriz; chegou a tentar, mas sem nenhum êxito. Ele nunca descobriu sua verdadeira vocação, e se dedica a um trabalho de escritório, que ele desempenha mecanicamente, sem muita satisfação, pois não se sente realizado. Agora os dois vivem frustrados e infelizes, e trocam acusações a todo o momento.
A mediocridade da vida cotidiana em que ambos encontram-se imersos, só faz reforçar a tese de que o sonho capitalista norte-americano não apenas faliu, mas definitivamente acabou. Por mais que ambos sejam proprietários de uma senhora casa, donos de um magnífico carro, e tenham dois belos filhos; como diria o título brasileiro de um célebre clássico de Frank Capra: "A Felicidade Não se Compra".
O que fazer então na tentativa de serem felizes? Ela, que é a mais insatisfeita dos dois, propõe uma revolução em suas vidas (o título original do filme é "Revolutionary Road", "Estrada da Revolução" em tradução literal, e refere-se ao nome da rua em que vivem). A proposta de April é a seguinte: se mudarem para Paris e recomeçarem uma nova vida, em que ela trabalharia temporariamente como secretária e seria o sustento da família, enquanto ele teria tempo para descobrir sua verdadeira vocação e passaria a dedicar-se àquilo que realmente gosta.
Frank, que em primeira instância mostra-se duvidoso, acaba deixando-se persuadir pelo entusiasmo de April e os dois começam a fazer planos, mesmo a despeito dos olhares críticos dos vizinhos e colegas de trabalho de Frank, que vêem o plano do casal como uma atitude infantil e meramente escapista.
Mas entre a beleza do sonho idealizado e o amargo sabor da realidade existe uma linha tênue, e o casal vai vendo aos poucos seus planos de mudança desmoronarem, dando margem a uma nova, e ainda mais intensa, rodada de acusações.
O filme conta com vigorosas atuações de Kate Winslet e Leonardo DiCaprio, o par romântico que arrebatou as bilheterias do mundo inteiro em "Titanic", e onze anos depois voltam a contracenar.
O filme de Sam Mendes, no entanto, não tem nada de romântico. Apesar de em alguns breves momentos o casal trocar demonstrações de afeto, o que dá o tom do filme mesmo é o confronto. Quem for assistir ao filme esperando um novo romance entre os dois protagonistas, é melhor esquecer. Desta vez, o casal já foi atingido pelo iceberg desde o começo e o filme está mais para "Cenas de um Casamento", do mestre Ingmar Bergman (inclusive pelo ritmo lento e tom melancólico).
Também são raros os momentos de descontração do filme. Os confrontos entre Frank e April, diferente das discussões entre Lester e Carolyn (Kevin Spacey e Annette Bening) em "Beleza Americana", são duros e não têm qualquer teor de comicidade, chegando a ser perturbadores em alguns momentos.
Mas, mesmo sem atingir o nível de excelência de "Beleza Americana", "Foi Apenas um Sonho" não deixa de ser uma obra pungente, dessas que tendem a melhorar a cada nova apreciação.
Tanto Kate Winslet quanto Leonardo DiCaprio, demonstram grande amadurecimento dramático e vivem momentos memoráveis. Ela leva, todavia, uma ligeira vantagem, não apenas por sua atuação ser de fato arrebatadora, mas por sua personagem ser o pivô dos principais acontecimentos do filme; além da história ser em maior parte contada sob seu ponto de vista. (uma curiosidade que faz toda a diferença: Kate é casada na vida real com o diretor Sam Mendes)
Os diálogos também são afiados, e ajudam a definir seus personagens. Numa das falas mais memoráveis do filme, April discorre sobre a verdade (Frank está transando com uma colega de trabalho, mas April não sabe disso). Ela diz para ele, insistindo para que a conversa seja franca, já que, segundo ela, ambos sempre viveram com base na verdade: "ninguém esquece a verdade Frank, as pessoas apenas aprendem a mentir melhor".
E no fundo, a pretensa felicidade do casal não passa de uma grande mentira. Não por acaso, duas das melhoras cenas do filme acontecem quando os dois recebem para um almoço um casal de amigos mais velhos e seu filho de meia idade, um PhD em matemática que sofre de problemas mentais (Michael Shannon, justamente indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante).
Não obstante sua "loucura", o professor de matemática é o único capaz de enxergar a tristeza do casal sob a aparente felicidade, e a urgente necessidade de mudança dos Whellers. É ele quem diz, em um dos seus surtos de extrema sinceridade, uma das frases mais emblemáticas do filme: "muitas pessoas vivem no vazio, mas é preciso ter força para enxergar a falta de esperança".
Ele não tem papas na língua e, nas duas cenas citadas, destila provocações desconcertantes e inflamáveis para o casal, que vive no vazio, mas está sempre adiando a possibilidade de encarar a falta de esperança em prol de uma vida melhor.
O filme, que parecia ter tudo para ser um dos principais concorrentes ao Oscar deste ano, apesar de ter sido indicado a 4 Globos de ouro, incluindo melhor filme, direção, e ator - e rendido a Kate Winslet o prêmio de melhor atriz - acabou recebendo apenas três indicações da Academia (melhor direção de arte, figurino e ator coadjuvante).
O filme, que parecia ter tudo para ser um dos principais concorrentes ao Oscar deste ano, apesar de ter sido indicado a 4 Globos de ouro, incluindo melhor filme, direção, e ator - e rendido a Kate Winslet o prêmio de melhor atriz - acabou recebendo apenas três indicações da Academia (melhor direção de arte, figurino e ator coadjuvante).
Assim como a esperança dos Whellers em mudar de vida, a expectativa gerada em torno da consagração do novo filme do oscarizado Mendes foi justamente isso, apenas um sonho.
Confira o trailer do filme:
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