Essas releituras podem ser extremamente prazerosas ou consistirem em verdadeiros tormentos. Elas podem levar alguns anos, algumas décadas, ou podem nos acompanhar até os últimos dias de nossas vidas.
Em “O Leitor”, o diretor Stephen Daldry (da obra-prima “As Horas”) explora a memória e seus fantasmas ao narrar a história de um romance entre uma misteriosa mulher e um jovem adolescente na Alemanha pós Hitler.
Agradecido, Michael decide voltar à casa de Hanna pouco tempo depois para manifestar sua gratidão. Não demora muito e ambos enveredam por um relacionamento repleto de ambigüidades. O que começa inocentemente, com Hanna cuidando do garoto com um zelo quase maternal, acaba ganhando contornos de erotismo até que Hanna resolve dar um passo adiante e inicia o garoto sexualmente.
A partir de então, os encontros se tornam cada vez mais freqüentes, e a cada nova visita, e nova experiência sexual, o jovem Michael a retribui com a leitura de algum clássico literário. Juntos, os dois compartilham momentos de felicidades. Mas como tudo que é bom dura pouco, Hanna desaparece de repente sem deixar vestígios.
Oito anos depois, Michael é estudante de direito e presencia, como parte de suas atividades acadêmicas, o julgamento de algumas mulheres acusadas de terem cometido crimes de guerra no famigerado campo de concentração de Auschwitz. Dentre as acusadas, está Hanna Schimitz, o primeiro e único amor de sua vida. Agora, Michael é o único capaz de inocentá-la de algumas acusações. Mas as dúvidas quanto às reais motivações de Hanna, e as questões morais que envolvem o caso, pairam sobre ele.
O filme é dirigido com maestria pelo igualmente britânico Stephen Daldry que, depois de conceber o ótimo “Billy Elliot”, e o brilhante “As Horas”, reforça a condição de um dos melhores diretores da atualidade com seu novo e primoroso filme (não por acaso, recebeu indicações de Melhor Direção para o Oscar por todos os três filmes que dirigiu até então)
Daldry, que vem do teatro, demonstra mais uma vez, uma enorme habilidade para contar histórias. O drama de “O Leitor” flui tão bem quanto as águas de um rio. Cada cena se vale muito mais daquilo que não é dito, do que está subentendido, do que daquilo que nos é apresentado. Neste caso, o filme desafia a todos nós, leitores da obra, a ler nas entrelinhas. (mérito também do roteirista David Hare, responsável por adaptar a obra de Bernhard Schlink, e que já havia trabalhado com Daldry na adaptação de “As Horas”)
Outro grande mérito do filme é a ausência de julgamentos morais sobre a personagem de Hanna. Mesmo nas cenas de tribunal, a história mantém uma postura neutra e imparcial no que tange seu caráter, cabendo ao espectador tomar partido ou não e chegar ao seu próprio veredicto.
Mas o grande trunfo de Daldry é, sem sombra de dúvida, a direção de atores. Neste terreno - bastante arenoso para muitos diretores - Daldry tem um desempenho extraordinário. Ele demonstra enorme destreza tanto na direção de atores mais experientes (haja vista as brilhantes atuações de Nicole Kidman, Julianne Moore e Meryl Streep em “As Horas”) quanto na direção de jovens talentos (vide a inesquecível atuação de Jamie Bell, o eterno “Billy Elliot”, então um jovem estreante).
Kate Winslet certamente conquistará seu tão cobiçado (e merecido) Oscar. Mas é bem verdade que ela foi sabotada ao ser indicada a melhor atriz por “O Leitor” e esquecida por “Foi Apenas um Sonho”, quando ela poderia perfeitamente ter sido indicada pelas duas atuações em categorias diferentes, a exemplo do que ocorreu no Globo de Ouro.Não obstante, sua premiação por "O Leitor" será uma maneira de consagrar seu êxito em ambos os filmes e coroar uma carreira pontuada por ótimas atuações.
O prêmio de melhor atriz para Kate Winslet talvez seja o único prêmio para "O Leitor" na noite do Oscar do próximo dia 22. Mas independente de qualquer premiação, o fato é que "O Leitor" é um filme maduro e pungente, que aborda com grande virtuosismo os fantasmas da memória (no caso do filme, as lembranças que Hanna carrega dos tempos do Holocausto, e as lembranças que Michael carrega de Hanna). Isso sem oferecer ao espectador qualquer catarse ou redenção.
Como diz a filha de uma sobrevivente do Holocausto para um Michael maduro e desamparado, em uma das cenas mais contundentes do filme: "Se você está procurando por catarse, vá ao teatro, leia um livro, mas não o procure em Auschwitz". Essa frase poderia muito bem se aplicar ao filme de Daldry, que justamente por sua ausência de catarse, está destinado a ocupar espaço permanente também em nossas memórias, como aquele bom e velho livro que nunca cansamos de reler na esperança de exorcizar nossos próprios fantasmas.
Confira o trailer do filme:
Nenhum comentário:
Postar um comentário