Como uma produção modesta, rodada na Índia com câmera digital e atores desconhecidos, conseguiu arrebatar 8 Oscars, incluindo melhor filme?
A) O sucesso do filme é fruto de marketing agressivo.
B) A premiação do filme no Oscar reflete a mudança dos critérios da Academia.
D) É o filme que mais entretém dentre os indicados.
Antes de responder à pergunta, vamos ao contexto: o filme em questão é "Quem Quer Ser Um Milionário?", uma produção britânica do diretor Danny Boyle (do cultuado "Trainspotting") rodada em Mumbai, na Índia, ao custo estimado de 15 milhões de dólares (um valor irrisório se comparado aos 15o milhões - 10 vezes mais - gastos na produção de "O Curioso Caso de Benjamin Button", seu principal concorrente no Oscar deste ano).
O filme recebeu no último domingo nada menos que oito Oscars, incluindo melhor filme e melhor direção, uma quantidade impressionante de prêmios para uma produção independente, inteiramente rodada em câmera digital e com atores desconhecidos do grande público.
Para se ter uma idéia da enorme façanha da produção de Boyle, basta traçarmos um pequeno comparativo com outros ganhadores da Academia, consideradas grandes produções: "A Lista de Schindler", de Steven Spielberg, conquistou 7 Oscars, a mesma quantidade de "Lawrence da Arábia", de David Lean; tanto "Coração Valente" quanto "Gladiador" arrebataram 5 Oscars cada; e "O Poderoso Chefão" - considerado por muitos o melhor filme de todos os tempos - recebeu apenas 3.
"Quem quer ser Um Milionário?" ainda venceu o Globo de Ouro e o Bafta (O equivalente inglês do Oscar) em diversas categorias, incluindo melhor filme.
Mas como explicar tal fenômeno? De onde será que vem tamanho favoritismo? Será que o filme de Boyle é mesmo tão bom assim?
Vejamos as opções de resposta:
A) O sucesso do filme é fruto de marketing agressivo
Não é bem verdade. O filme de Boyle não foi nem mais, nem menos promovido que os demais filmes em competição. Pelo contrário, seu favoritismo fez com que ele fosse alvo de diversas críticas e a produção do filme chegou a ser acusada de explorar a miséria alheia e pagar mal às crianças indianas que participaram do filme. Tudo isso foi desmentido e cuidadosamente contornado pelos produtores do filme, que fizeram questão de convidar as tais crianças para participarem da cerimônia do Oscar (no final das contas, todos subiram ao palco do Kodak Theater na noite da premiação para celebrar o prêmio).
O filme sequer chegou a ser um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos. Até a data de divulgação dos indicados ao Oscar "Quem quer Ser Um Milionário?" havia arrecadado pouco mais de 43 milhões de dólares contra mais de 103 milhões arrecados até então por "O Curioso Caso de Benjamin Button", enquanto os blockbusters "Homem de Ferro" e "Batman: O Cavaleiro das Trevas" ultrapassaram a cifra dos 100 milhões de dólares apenas no final de semana de estréia.
Talvez. Afinal, a cada ano que passa o Oscar vem abrindo cada vez mais espaço para produções independentes e estrangeiras (vide postagem "O Oscar em Tempos de Globalização"), mas isso nunca foi sinônimo de consagração, já que a Academia nunca abriu mão de premiar uma produção genuinamente americana - em geral grandes produções - como forma de reafirmar sua posição como a mais poderosa indústria do cinema mundial (ainda que Bollywood, a indústria indiana de cinema, produza mais filmes por ano).
A exemplo disso, podemos citar o caso de "O Tigre o Dragão". A produção made in china dirigida por Ang Lee, que concorria a 10 Oscars e acabou perdendo o prêmio principal para "Gladiador", mesmo sendo notadamente superior à produção americana.
Outro caso mais recente é o do contundente "Babel", produção dirigida pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, rodada em quatro países diferentes (e, portanto, falado em quatro idiomas) que teve que se contentar com um único Oscar, de melhor trilha sonora, em 2006. O prêmio de melhor filme foi para "Os Infiltrados", de Martin Scorsese.
C) É o melhor filme do ano
Essa é uma afirmação questionável. A história da ascensão social de um menino pobre de uma favela de Mumbai em um programa de televisão comove, mas não chega a ser contundente como "O Leitor", de Stephen Daldry (ou mesmo "Foi Apenas um Sonho", de Sam Mendes, que sequer foi indicado às principais categorias)
O romance entre Jamal, o jovem protagonista do filme, e sua amiga de infância, Latika, é singelo e encanta o público, mas está longe de ser uma grande história de amor. A crítica social, por sua vez, aparece ao longo de todo o filme, apesar de ocupar um segundo plano.
Já no quesito direção - sem desmerecer o ótimo trabalho de Boyle - o filme não chega a ter o preciosismo nem a riqueza de detalhes orquestradas por David Fincher em "O Curioso Caso de Benjamin Button", ou a soberba direção de atores de Stephen Daldry em "O Leitor".
D) É o filme que mais entretém dentre os indicados
Essa talvez seja a resposta mais apropriada. A estética de videoclipe impressa por Boyle no filme empolga, e muito, o espectador, graças a sua edição ágil e fotografia vertiginosa (nestes dois aspectos "Quem quer Ser..." deve muito ao nosso "Cidade de Deus"). Sem contar a própria construção da história, que propõe um jogo ao espectador. Ao ver o filme, nós nos colocamos no lugar de Jamal e participamos com ele do programa de auditório. Impossível não estabelecer empatia e não torcer por ele.
Quer mais? O filme conta ainda com uma trilha sonora eletrizante (talvez a primeira da história que flerta com a música eletrônica a ganhar um Oscar) e, para encerrar, uma apresentação musical para lá de animadora, no melhor estilo Bollywood ("Jai Ho", canção premiada pela Academia)
Diante de tudo isso, fica fácil compreender por que a Academia se rendeu a "Quem Quer Ser Um Milionário?". Afinal, não esqueçamos que entretenimento sempre foi o principal combustível do cinema americano (depois do dinheiro, é claro).
Em um ano de mudança na política mundial, com o começo da era Obama, nada melhor do que um filme com uma mensagem de otimismo para encher as pessoas de esperança (o outro filme, dentre os indicados, capaz de ocupar esse posto talvez fosse "Milk - A Voz da Igualdade", com sua mensagem de inclusão social em defesa dos direitos das minorias)
Os demais concorrentes se voltam mais para o passado. "Frost/Nixon" procura compreender a mente do ex presidente Nixon, "O Curioso Caso..." aproveita para prestar homenagem aos mortos do furacão Katrina (ocorrido na era Bush), e "O Leitor" relembra os fantasmas deixados pelo Holocausto, e está longe de ser uma diversão.
Então, por eliminação, a resposta (ou pergunta) da Academia para este ano só poderia ser mesmo: "Quem Quer Ser Um Milionário?"
Se lembrarmos que o filme custou cerca de 15 milhões de dólares para ser feito e já arrecadou mais de 100 milhões com o reforço das premiações, fica fácil perceber porque Dany Boyle não tem economizado sorrisos por onde quer que passe.
Confira o trailer do filme:
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